domingo, 25 de novembro de 2012


A mãe dela me ligou, disse que precisava de ajuda, de um lugar pra ficar com ela, de alguém pra ajudar a cuidar. Era uma doença feia, machucava o corpo inteiro, tirava-lhe os pelos e cabelos, deixava-a pálida. Cascas cresciam nos ferimentos e se agarravam nas roupas, na minha pele, nos meus cabelos. Enroscavam-se no edredom, no colchão. Ela não podia andar, alternava entre deitar e sentar. Seu banho era dado com ela sentada. Água morna, vermelha de remédios. Doía. Não sei se mais nela ou em mim por vê-la. Já estava fixamente encurvada. Sua coluna deixara de obedecer. Eu colocava toda minha força ajudando-a a mudar de posição, abrir as janelas e portas.. mudando os móveis de lugar, lavando suas roupas, limpando suas feridas, medindo a temperatura da água, colocando leite no copo. E minha força era mais gasta sempre ao me levantar. Eu sabia que iria encontrar com ela na sala, debilitada... mas, irradiando luz. Seu sorriso era lindo e se esforçava para mostrá-lo, sempre. Sua pele, mesmo pálida, entre ferimentos e sangue, era macia. Seus olhos se destacavam, preto nas bordas e verde no centro. Era o céu, o mar, o universo. Poderia eu viveria pela eternidade, mas perderia tudo no próximo minuto. Ou no minuto depois desse. Não sabíamos ao certo quando. Talvez fosse na mesma hora, talvez já tivesse sido e eu estaria ali vivendo uma ilusão... (do tipo que as coisas acontecem e demora-se um tempo pra se perceber que elas já aconteceram). Arrumando as coisas, de repente, eu sentia saudade. Virava e a olhava. Parei pra observá-la dormir. Toda distância era distância demais. Meus dedos tocaram sua fronte, leves e receosos como quem tocaria algo sagrado. Ela acordou. As pálpebras abriram devagar, pude ver a pupila retrair pelo contato com a claridade. Não se espantou. Esperava pela minha proximidade. Assim como eu também não me espantaria se um dia acordasse e tivesse os olhos dela nos meus, ignorando toda a possibilidade, toda a racionalidade. Seus lábios abriram uma fresta. Queriam dizer, interrupto pela existência limitada das palavras. Esforçou-se, levantou a mão, tocando meu braço. Leve, a princípio, seguido por uma brutalidade de quem faz as coisas na última hora. Seus olhos umedeceram. Uma lágrima. Puxou-me mais perto. Eu a machucava sem querer. Um beijo. Leve, bruto, desesperado, sufocado. Coração num pulsar dolorido. Seus olhos abertos, mais verdes. A pupila menor, estática. Não falava. Não respirava. Não pulsava. A lágrima escorria.
Não se ouviu vento, carros ou ainda cães na rua. Não se ouviu pessoas, não se viu o tempo. Minhas lágrimas, minha rua, minha noite.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

trash. feel as.


estava saindo da padaria. fui comprar vinagre de maçã, mas não tinha.
sai com uma ponta de raiva, afinal, esperei que lá tivesse. merda.
tropecei no meio-fio. desgraça. toda vez tropeçar no maldito meio-fio.
tudo bem, foi uma padaria sem vinagre e o mesmo meio-fio.
andei em direção ao meu carro e lá estava um guri.
é, a porra de um guri de uns 15 anos rabiscando a pintura.
- você tá ficando doido, muleque?
falei segurando na gola da camisa do miserável. ele me olhava sínico. não falou nada.
- quantos anos você tem, pirralho?
- não te interessa.
- por que tu tá rabiscando meu carro? tem nada pra fazer não?
- é que eu te vi e achei com cara de otário. num vai dar nada mermo
- nada?
um soco na cara do menino. sangue escorria do nariz.
- tá maluco?
- só pra te ensinar o que é nada. sentiu? isso é nada. nada perto de tudo o que eu to com vontade de fazer contigo. enfia teu rabo entre as pernas e vaza daqui. se eu te ver de novo
- dá nada.
assoou o nariz.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O que se descreve,
Se rotulando, oprime
A essência do Ser
Que à tudo equivale
E que à tudo ignora
Por ser somente o que é
Sentou-se a beira da sacada. Gostava de ver as pessoas lá embaixo, cada um com seu estilo, as manias e brincadeiras que fazem sem desconfiar que estão sendo observadas. Cada vida única.
Bate o cigarro na ponta dos dedos. Joga a fumaça em direção ao céu. Que vontade de voar, com os pássaros, em direção às crianças que brincam no parque, tão pequenas.
O vento nos cabelos, a metros e metros do chão. O lugar ideal para a eternidade, totalmente só e intocável. No lugar da fé, do sol, com vista para a humanidade. Privada dos barulhos absurdos, audíveis com a proximidade dos pés no chão. Todo o inferno humano ouvido num zumbido às 18. Hora de recolher-se por alguns minutos, enquanto a melhor parte se encaminha.
0h.
Traga uma bebida leve ou pesada demais, a ponto de passar seu coma à luz das estrelas ou morrer à deriva no grande mar céu.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

" As plantas rindo estão, estão vestidas
De verde variado de mil cores,
Cantam tarde, e manhã os seus amores
As aves, que d'Amor andam vencidas.
As neves, já nos montes derretidas,
Regam nos baixos vales novas flores,
Alegram as cantigas dos pastores
As Ninfas pelos bosques escondidas:
O tempo que nas cousas pode tanto,
A graça que por ele a terra perde,
Lhe torna com mais graça, e fermosura.
Só pera mim nem flor, nem erva verde,
Nem água clara tem, nem doce canto,
Que tudo falta a quem falta ventura "

Diogo Bernardes (Classicismo)

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Quer se deprimir? Ouça Agalloch.
As vezes eu preciso ouvir. Porque a vida é muito corrida.. e as vezes eu paro e me toco "há quanto tempo eu não paro pra pensar? ou fantasiar, que seja.. fazer uma realidade só minha?"
Ouvindo Agalloch, passei o olho numa frase e distorci completamente o que li, mas pude completar.

Você é só um fantasma em meus braços, e minha canção não pode te alcançar. Se você soubesse o que eu sinto, com certeza estamparia um sentimento bom no seu rosto.. talvez com um sorriso ou um olhar mais brilhante. Não suporto a ideia de você triste. Você não merece isso. Talvez nem você, nem eu e nem ninguém merece ser traído ou ignorado.
Quando penso que você pode estar sozinha num banheiro ou num quarto chorando por solidão, eu tenho vontade de morrer. A vontade é só essa... deixar esse mundo infeliz, onde pessoas ruins são felizes. Matar o que de ruim te envolve.. mas não dá. Porque aqui é tudo entrelaçado, tudo misturado.. mente e coração se contrapõem e eu não quero te causar um milimetro a mais de mágoa.
Só queria poder te abraçar. Sem precisar dizer uma palavra ou abrir os olhos. Só te sentir aqui, de carne e osso, sem precisar enfeitar um fantasma com seu nome. Que o fantasma tome forma, cores, que possa tocar e sentir.. que seja vida e não uma adiação de morte. Que tenha vontades, sentimentos e exigências. Que chore, que ria e que brigue.. Eu só quero você.
E que toda minha lembrança de outras pessoas, as quais, imersas em infelicidade, vem me procurar em busca de refúgio, suma.
E eu mudaria toda minha vida, afastaria todas essas pessoas fingidas e amigos ocasionais por uma vida com um objetivo: te fazer feliz.
Enquanto eu invento coisas, tentando melhorar minha vida frustrante, eu te peço paciência. Tenha paciência pra tudo, com todos.. estamos todos na mesma situação, jogados de paraquedas em qualquer ponto do céu, em direção à Terra, e essa direção e seu fim são as únicas certezas.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Eu sou quase ninguém. Quase, porque devo servir pra alguma coisa, caso contrário não me usariam.
Quando eu reclamo da vida eu tenho uma puta vontade de arrebentar a minha cara numa parede ou qualquer coisa do tipo.
Minha vida não é ruim. Eu tenho uma família legal, estudo numa escola legal, tenho uns poucos amigos mas tenho, tenho um pc, blogs e lugares pra me refugiar.
Chega um infeliz e se refere à mim como se me conhecesse há séculos, por conhecer uma amiga e achar que somos iguais. Sabe o ditado mais idiota? "Diga-me com quem andas e direi quem tu és."
Eu gosto de alguns ditados, a maioria dos que sei eu gosto. Mas tem uns que não se encaixam, pelo menos não na minha vida.
Eu tenho tanto amor, que consigo doá-lo. Então, uma frase me coloca no chão. Uma frase que veio de alguém que não me conhece e sem a intenção de causar o que causou.
Uma outra coisa que me mata, é o sarcasmo.
O que eu acho do sarcasmo é algo bem simples.
Sarcasmo é sinônimo de arrogância.
Porque, se você usa sarcasmo para diminuir as outras pessoas e se colocar numa posição superior, isso já é arrogância, o que te reduz a um monte de esterco. E vocês continuam se achando superiores.
Quando são sarcásticos comigo eu finjo não ouvir. Não é porque eu não entendo, bem pelo contrário, eu entendo muito bem de sarcasmo, e por saber o tanto que me deixa mal ouvi-lo, é melhor que eu nem comente, ou desse comentário eu vá me exaltar e me deixar ainda pior.
"Sarcasmo é a forma como a gente insulta idiotas sem que percebam" Agora é covardia com o ar de superioridade. Qual é a de vocês? Tem problemas com falar na cara e usar argumentos? Ser claro é o problema, né?
Ser arrogante é se colocar no topo, se achar o melhor e ninguém tem nada a te ensinar, chegou no limite humano e até divino.
E eu pioro. Porque lembro de todas as vezes que foram sarcásticos comigo. Eu deixo claro, eu não gosto nem um pouco desse artifício em conversas. Quer fazer uma piada com isso? Faça. Converte pro que é legal e engraçado. Não vem com essa de querer me insultar. Se quiser me insultar, aproxime-se e deixe seu rosto a mostra, pra que eu possa responder. E se não quiser olhar pro meu rosto, fica tranquilo, porque eu não tenho problema algum em falar com pessoas sem olhá-las nos olhos.
Está com medo? Então seja sincero.
Não quer me machucar? Seja sincero.
Quer me machucar com um bom motivo? Seja sincero.
Quer ser feliz? Seja sincero e abra sua mente.

Ser sincero, só isso. Não dói e não te afasta de ninguém.
Tomem cuidado com o que falam, principalmente conversando com pessoas que você não conhece e não sabe as reações.
Abro na terra valas profundas
Com minhas mãos imundas
Num acesso de desespero, procurando felicidade


Me surpreendo, por achar eu mesmo
No reflexo da água que brota na vala
Dando continuidade à minha imagem
Formando o dobro da minha desgraça!


O opróbrio de mim se mostra
Quando, imerso em infelicidades,
Preciso achar o puro da minha graça!
E eu voltei ao passado, por um momento.
Voltei ao tempo em que toda a minha vida era caseira, tudo tão perto e girando tão devagar...
Eu podia contemplar o prazer de viver, acordada. E ria sozinha, nos fins de manhã, depois de tanta gargalhada, pelos menores e mais simples motivos, aleatórios.
Hoje eu forço as piadas e passo a maior parte do meu tempo segurando lágrimas e planejando jeitos da minha vida ficar menos pior.
Penso na fé e me martirizo por meus pecados, em conjunto com como provar a fé pela razão, para vencer num debate contra queridos ateus.
A resposta, por menor que seja, porém brusca e ríspida me crava uma estaca no coração
E vejo, imerso em sangue depressivo, o contraste do meu passado tranquilo com meu presente destrutivo.

sábado, 26 de março de 2011

A vitória do espírito

Era uma preta, funeral mesquita, 
Abandonada aos lobos e aos leopardos 
Numa floresta lúgubre e esquisita.

Engalanava-lhe as paredes frias
Uma coroa de urzes e de cardos
Coberta em pálio pelas laçarias.

Uma vez, aos lampejos derradeiros 
Das irisadas vespertinas velas, 
Feras rompiam tolos e balseiros.

E pelas catacumbas desprezadas, 
Mochos vagavam como sentinelas, 
Em atalaia às gerações passadas!

Um crepúsculo imenso, nunca visto
Tauxiava o Céu de grandes roxos
Da mesma cor da túnica de Cristo.

Fulgia em tudo uma estriação violeta
E um violáceo clarão banhava os mochos
Que em torno estavam da mesquita preta.

Já na eminência da amplidão sidérea
Como uma umbela, se desenrolava
A esteira astral da retração etérea.

Os astros mortos refulgiam vivos
E a noite, ampla e brilhante, rutilava
Lantejoulada de opalinos crivos.

Súbito alguém, o passo constrangendo, 
Parou em frente da mesquita morta...
- Um vento frio começou gemendo.

Era uma viúva, e o olhar errante, a viúva, 
Em passo lento, foi transpondo a porta, 
Eternamente aberta ao sol e à chuva.

A Lua encheu o espaço sem limites 
E, dentro, nos altares esboroados, 
Foram caindo como estalactites

Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas
Um dilúvio de fósforos prateados
E uma chuva doirada de faíscas.

Fora, entretanto, por um chão de onagras
Vinha passeando corno numa viagem
Um grupo feio de panteras magras.

E havia no atro olhar dessas panteras
Essa alegria doida da carnagem
Que é a alegria única das feras.

E ardendo na impulsão das ânsias doidas
E em sevas fúrias, infernais ardendo
Todas as feras, as panteras todas

Avançam para a viúva desvalida. 
E raivosas, contra ela, arremetendo, 
Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.

Morria a noite. As flâmulas altivas 
Do sol nascente erguiam-se vermelhas, 
Como uma exposição de carnes vivas.

E iam cair em pérolas de sangue
Sobre as asas doiradas das abelhas,
E sobre o corpo da viúva exangue.

A Natureza celebrava a festa
Do astro glorioso em cantos e baladas
- O próprio Deus cantava na floresta!

Nos arvoredos rejuvenescidos, 
Estrugiam canções desesperadas 
De misereres e de sustenidos.

Além, entanto, na redoma clara 
Que envolve a porta da região etérea, 
O espírito da viúva se quedara

Ao contemplar dessa fulgente porta
E dessa clara e alva redoma aérea,
No desfilar de sua carne morta
A transitoriedade da matéria!