sábado, 26 de março de 2011

A vitória do espírito

Era uma preta, funeral mesquita, 
Abandonada aos lobos e aos leopardos 
Numa floresta lúgubre e esquisita.

Engalanava-lhe as paredes frias
Uma coroa de urzes e de cardos
Coberta em pálio pelas laçarias.

Uma vez, aos lampejos derradeiros 
Das irisadas vespertinas velas, 
Feras rompiam tolos e balseiros.

E pelas catacumbas desprezadas, 
Mochos vagavam como sentinelas, 
Em atalaia às gerações passadas!

Um crepúsculo imenso, nunca visto
Tauxiava o Céu de grandes roxos
Da mesma cor da túnica de Cristo.

Fulgia em tudo uma estriação violeta
E um violáceo clarão banhava os mochos
Que em torno estavam da mesquita preta.

Já na eminência da amplidão sidérea
Como uma umbela, se desenrolava
A esteira astral da retração etérea.

Os astros mortos refulgiam vivos
E a noite, ampla e brilhante, rutilava
Lantejoulada de opalinos crivos.

Súbito alguém, o passo constrangendo, 
Parou em frente da mesquita morta...
- Um vento frio começou gemendo.

Era uma viúva, e o olhar errante, a viúva, 
Em passo lento, foi transpondo a porta, 
Eternamente aberta ao sol e à chuva.

A Lua encheu o espaço sem limites 
E, dentro, nos altares esboroados, 
Foram caindo como estalactites

Sobre o ouro e a prata das alfaias priscas
Um dilúvio de fósforos prateados
E uma chuva doirada de faíscas.

Fora, entretanto, por um chão de onagras
Vinha passeando corno numa viagem
Um grupo feio de panteras magras.

E havia no atro olhar dessas panteras
Essa alegria doida da carnagem
Que é a alegria única das feras.

E ardendo na impulsão das ânsias doidas
E em sevas fúrias, infernais ardendo
Todas as feras, as panteras todas

Avançam para a viúva desvalida. 
E raivosas, contra ela, arremetendo, 
Tiram-lhe todas ali mesmo a vida.

Morria a noite. As flâmulas altivas 
Do sol nascente erguiam-se vermelhas, 
Como uma exposição de carnes vivas.

E iam cair em pérolas de sangue
Sobre as asas doiradas das abelhas,
E sobre o corpo da viúva exangue.

A Natureza celebrava a festa
Do astro glorioso em cantos e baladas
- O próprio Deus cantava na floresta!

Nos arvoredos rejuvenescidos, 
Estrugiam canções desesperadas 
De misereres e de sustenidos.

Além, entanto, na redoma clara 
Que envolve a porta da região etérea, 
O espírito da viúva se quedara

Ao contemplar dessa fulgente porta
E dessa clara e alva redoma aérea,
No desfilar de sua carne morta
A transitoriedade da matéria!

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